quarta-feira, 6 de julho de 2011

A reforma política e o retorno à República Velha

A jovem democracia brasileira vive atualmente um importante processo de amadurecimento institucional, demonstrando durante os seus 26 anos de existência extrema vitalidade e capacidade de enraizamento social.

Senão vejamos alguns pontos positivos: o Brasil possui o terceiro maior eleitorado do mundo, ficando atrás apenas de EUA e Índia. Desde 1994, dois partidos se revezam no poder, encabeçando blocos de centro-esquerda e centro-direita. Nosso sistema de informatização garante um processo eleitoral rápido e sem fraudes – exemplo para o mundo, e inegavelmente, as instituições de controle têm atuado de forma mais eficiente. Sendo assim, apesar de inúmeras deficiências, principalmente no tocante ao financiamento de campanhas, um dos mais injustos do mundo, em vários aspectos temos motivos para comemorar.

Entretanto, em que pese os avanços, há um ponto comum entre cientistas políticos, sociólogos, juristas e demais estudiosos da vida política brasileira: o sistema político brasileiro fundado em 1985 com a transição democrática, e consolidado com a Carta Magna de 1988, necessita de mudanças. Resta saber qual o verdadeiro teor dessas alterações. Ajustes pontuais que contribuiriam para seu aperfeiçoamento ou uma reforma política profunda?

De fato, ainda que a estabilidade política, evidenciada pelas conquistas de governabilidade, além das transições de governo sem qualquer ruptura institucional, tenha sido alcançada por um alto custo na relação executivo-legislativo – o que, sem dúvida, coloca em xeque o desempenho do sistema político – uma alteração institucional que leve em conta alguns dos principais pontos da atual proposta pode nos causar um retrocesso imenso.

Refiro-me à lista fechada, aclamada por muitos como a solução para os males que afetam a representação política brasileira. Ao conceber a votação no partido, através de uma lista pré-ordenada, como forma de fortalecer nossas legendas, estaremos retornando às antigas instituições da República Velha, onde a liderança política dos “coronéis” marcou o domínio do poder local.

Na proposta atual, em pleno século XXI, a figura do coronel é substituída pelo “cacique”, líder político, “dono do partido”. Como negar a influência do “caciquismo” que, como afirmou o cientista político Antonio Carlos Peixoto, “enfiará a lista goela abaixo do eleitor”. Não obstante, retirar do cidadão seu direito de escolha é privá-lo de sua soberania.

Ademais, o debate da reforma política precisa chegar à sociedade. É necessário informar e explicar ao cidadão o teor da mudança em pauta no Congresso Nacional. É ele quem deve opinar e decidir! Embora haja um descontentamento da maioria dos cidadãos para com o funcionamento de nosso sistema político, isto não é um problema apenas brasileiro.

Grandes democracias ocidentais vivem em permanente tensão entre a classe política e os cidadãos.

No que tange às dificuldades de inserção da sociedade neste debate, no Estado de Rondônia, o Instituto de Direito Eleitoral – IDERO saiu na frente, assumindo papel relevante na promoção de discussões que possuem como foco a atual proposta de reforma. Este é um dos belos exemplos que outras instituições e, inclusive, a sociedade civil organizada podem seguir.

Particularmente, estou entre aqueles que acreditam, parafraseando o cientista político Fabiano Santos, que vender a idéia de que modificações em regras eleitorais criarão verdadeiros “anjos” na política, é vender ilusões. A meu ver, corrupção não se constitui num problema de sistema político. Trata-se de uma questão para instituições de controle, que, acreditem, estão funcionando melhor nos dias atuais!

Nesse contexto, importantes ajustes podem colaborar para o aperfeiçoamento institucional do modelo em curso há quase três décadas: a) o final das coligações em eleições proporcionais; b) uma nova política de distribuição das sobras eleitorais; c) o fim do suplente de senador; d) uma regra clara para a fidelidade partidária; e principalmente, e) mudanças no financiamento de campanhas, como aponta o cientista político Bruno Speck, impedindo doações de empresas e incentivando pequenas contribuições dos cidadãos, ajudarão, de forma pontual, a aperfeiçoar o sistema vigente.

Outros pontos, talvez mais polêmicos, mas que não tratam de alterações em regras eleitorais, residem na revisão das medidas provisórias e no fim definitivo da emenda parlamentar. Ambos os dispositivos contribuem para que o Legislativo seja permanentemente refém dos interesses e do poder de barganha do Executivo.

Contudo, estas são apenas algumas sugestões para um amplo debate que deve ter como protagonista a sociedade brasileira, pois como disse certa vez Rousseau, o pai da democracia moderna, crie cidadãos e teremos todo o necessário para a manutenção da ordem política.

Caso contrário, correremos o risco de retornar às antigas instituições oligárquicas, ora perpetuando no parlamento os detentores do poderio econômico e político das máquinas partidárias.

João Paulo Saraiva Leão Viana é cientista político, professor da FARO e UNIRON. Autor de: Reforma Política: Cláusula de Barreira na Alemanha e no Brasil (Edufro, 2006). Co-organizador de O Sistema Político Brasileiro: Continuidade ou Reforma? (Edufro; ALE/RO, 2008).



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